Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Para o Verão que aí vem o Arenae Malvasia de Colares é um branquinho que assenta na boca como um sopro salgado de maçãs e maresia.
Os vinhos de Colares são dois: o branco, da casta Malvasia de Colares, e o tinto, da casta Ramisco. Ambos são raros, únicos, imprevisíveis e maravilhosos.
É bom partilhar um clima com um vinho. O aquecimento global é uma certeza científica (e enológica) mas cada ano, cada mês é diferente. São muito poucas as uvas Malvasia de Colares e Ramisco. Duas horas chegam para ver todas as vinhas. As vinhas são interessantíssimas. Mesmo quem nunca tenha provado um vinho de Colares há-de deliciar-se com as dificuldades imensas de cultivar as uvas. É emocionante ver como as vinhas resistiram historicamente à filoxera. Mas mais emocionante ainda é ver o que é preciso fazer para ajudá-las a sobreviver aos próprios elementos que lhe dão personalidade.
Uma das razões que me levou a vir viver para Colares foi estar apaixonado pelos vinhos que aqui se fazem. São vinhos que, quanto mais se conhecem, mais se admiram.
O Colares Malvasia é há muitos anos o meu branco português favorito. Cada colheita pode ser um milagre mas, para os apreciadores que se habituaram à magia dele, é reconfortante que consiga manter-se delicioso. É um vinho romântico que não só permite devaneios (o mar, o sal, o vento, as neblinas, a areia, as maçãs reinetas, o sol, as canas, o céu) como os encoraja.
Miguel Esteves Cardoso, in Publico Life and Style
Portugal é um país cheio de lugares bonitos. São muitos aqueles aonde nunca fui. E daí? Chega-me Colares.
Há um momento quando se volta a casa em que parece que estamos a chegar a um sítio amado que nunca vimos com os olhos abertos. Sentimos que estamos de visita. A ausência – desde que não se tenha tido saudades, por não ter havido tempo – faz-nos esquecer a beleza de onde vivemos, levando-nos a ficarmos surpreendidos por ela.
Colares é uma frescura de pormenores que se escondem no esplendor da visão conjunta. Desprendem-se da paisagem uma a uma. São sempre diferentes, desconhecidos e bonitos. Não nos importamos de nunca podermos conhecer tudo. O pouco que conhecemos de Colares já sobra nos nossos corações.
Colares é leve. Não se expõe nem se impõe. Mas não é um estado de espírito. É um laçarote de lugares; uma fita de Moebius onde se pode passear como um brilho por uma superfície de seda que passa, doce, pela nossa pele.
Colares é lindo. Mas não é um lindo não-me-toques e, se não tiveres nascido cá, não quero saber de ti. É um lindo toca-me, senta-te, pára um pouco e deixa aqui um bocado da tua vida.
Como acontece com todos os lugares lindos as pessoas que pensam que conhecem Colares têm razão. Basta falar nas luzes, nas sombras, na temperaturas, nas cores verdes e cores-de-rosa, para trazer Colares às nossas almas. Em Colares são tantas as coisas singulares e tantas as pessoas que se apaixonam por elas que tudo é objectivo, infinitamente discutível e plural.
Portugal é um país cheio de lugares bonitos. São muitos aqueles aonde nunca fui. E daí? Chega-me Colares.
Texto de Miguel Esteves Cardoso, no público, hoje.
Foto de Nuno Cosme Moreira.
Das três praias perto da nossa casa a única que ainda tem areia bastante para se entrar na água sem pisar pedrinhas é a Praia Grande. Este ano a magnífica Praia da Adraga é a mais pedregosa, seguida pela Praia das Maçãs, onde a entrada pica a não ser pela extrema direita.
Anteontem a Maria João e eu tomámos um banho eufórico na Praia Grande: um daqueles banhos oceânicos e pacificadores que só na Praia Grande se podem tomar. Cada primeiro banho do ano é como nascer. Compreende-se, sensual e inteligentemente, a grande ideia atrás - e à frente - do baptismo.
Não sei como há quem se queixe da frieza destas águas. Aqui, nas praias da freguesia de Colares, os forasteiros que cá vêm e se queixam confundem o frio com a frescura.
Aqui a água é fresca: é atlântica. Traz o peso todo do oceano ao qual a história de Portugal não foi avessa. Traz resquícios da origem da nossa espécie. Quando mergulhamos o corpo e a cabeça no oceano da Praia Grande é como se estivéssemos a voltar a casa. A uma casa muito menos distante do que pensamos, à qual pertenceremos eternamente.
Os estabelecimentos da Praia Grande, concessionários ou não, absorveram a grandeza e a natureza daquela paisagem vivida, sabida e emocionantemente imprevisível. Entre-se onde se entrar, para beber um café e uma água, ou almoçar ou jantar, é-se recebido como um velho amigo.
Como um ser humano, numa praia muito mais antiga do que nós mas, magicamente, refeita à nossa medida.
Venham.
Texto de Miguel Esteves Cardoso, no público dia 28 de junho de 2014
(foto minha em 2014)
Este ano é o milagre da piscina do Hotel das Arribas. Nas tardes de lua cheia e de lua nova, com a bandeira vermelha em brasa por toda a Praia Grande, as ondas gigantes entram pela piscina adentro, encharcando os acólitos, de braços levantados, com as magníficas águas oceânicas.
A Maria João e eu estamos sempre lá caídos, literalmente. Mas o mais engraçado é que se formou uma comunidade de fustigados, adoradores tanto dos salpicos como das cachoeiras do Atlântico. São crianças, adolescentes, pais, mães, casais e famílias. Ao sermos baptizados pela mesma torrente de água benta gritamos, rimo-nos e falamos uns com os outros.
Texto de Miguel Esteves Cardoso no Público dia 30/8/2014
Foto de Gregória Correia, partilhada hoje no Facebook.
Uma imagem (e uma coleção do Pedro Macieira).
É perceber as coisas que acontecem por cá, como a que Miguel Esteves Cardoso descreve, hoje, no Público.
Também já várias vezes disse que o Rio das Maçãs é o melhor blog da freguesia, e aquele com mais horas de trabalho (por exemplo no post acerca do melhor artigo de sempre do MEC: O clima antibiótico), por isso fico muito feliz com a citação que o autor faz ao mesmo.
Parece-me que o MEC perdeu a bandeira verde da Praia Grande este ano. One single day.
A jornaleira mais simpática de Sintra mudou de casa. Continua na sublime praia Grande, mas agora está numa casa a sério, ao pé do esplêndido Hotel das Arribas, onde uma bela esplanada, sem preços de hotel mas com qualidade de grande hotel, nos convida a ler demoradamente.
A Dona Ju tem tudo e sabe tudo. Sabe onde tomar banho e quando e onde há estacionamento. Um exemplo: comprei lá o Volume II do delicioso 100 Ideias que Mudaram o Design Gráfico do PÚBLICO e desesperei: tinha-me esquecido de comprar o Volume I. Mal comecei a chorar, já a Dona Ju estava a entregar-me o livro.
Dantes a loja era uma cabana bonita mesmo em frente ao mar, ao lado do Angra, o primeiro dos restaurantes da praia Grande, com esplanada no rés-do-chão e no primeiro andar. Os donos, dois irmãos chamados Chico e Vítor, sabem tudo sobre a praia Grande e o mar da praia Grande. São sábios e generosos com os conselhos.
Quando fui à praia Grande, fiquei furioso por descobrir uma loja de jornais ao pé do Hotel das Arribas. Estando mais perto do que a cabana da Dona Ju, estava a roubar-lhe a clientela. Segui caminho, determinado a comprar os jornais na loja certa, que está lá todo o ano, haja frio, chuva, nevoeiro ou bom tempo.
Na cabana estava um papel a dizer que se tinha mudado para perto do Hotel das Arribas. Ainda bem. Estava num lugar vulnerável às enxurradas. Agora está mais segura. Continua a ser o lugar mais bonito para comprar jornais que conheço. Na praia.
O MEC é que sabe como é.
Já agora fica a informação que antes ainda, era um quiosque muito pequeno, em frente ao sítio onde os autocarros dão a volta..
(Foto de A mulher é que Manda)
Texto no Público, 24/04/2014
Colares foi bafejada pela sorte. Tem a sorte de ter Miguel Esteves Cardoso a escrever amiúde sobre o que se passa na freguesia e nas freguesias vizinhas que têm os mesmos encantos (afinal é apenas uma linha administrativa que nos separa).
Escrever depois do MEC é como discursar depois dum show man ou como num programa de talentos cantar depois da grande sensação.
Como escreveu o Nuno Moreira na rede social efémera, onde tudo desaparece ou vai desaparecer, quanto MEC escreve sobre um assunto não há mais nada a acrescentar, e, tudo o que se possa escrever é pior.
Ontem e hoje está a acontecer o festival do mexilhão em Colares, e com enorme sucesso. Fico muito feliz pela ideia. São estas coisas que fazem falta ao turismo colarejo. Nem sei como ninguém teve esta ideia mais cedo. Parece-me, agora, universalmente óbvio que Colares tem de ter um festival destes. Se há sítio para haver um festival do Mexilhão é em Colares.
Para o ano, vamos repetir, vamos divulgar mais, vamos tentar chegar às TVS. Vamos trazer mais gente para Colares.
Sabemos que, a atracção de Colares não é a qualidade balnear que maioria das pessoas gosta (mar calmo, água quente, muita areia). As praias são ao contrário o que também é muito apreciado por outros: Mar agitado, água fria.
Mas acima de tudo, o Verão de Colares é sossegado e é tudo muito bonito. Temos a praia, as arribas, o pinhal a serra.
Afirmemos a estadia e a capacidade de alojamento. E mostremos a nossa tradição: O peixe, os "percebos", o mexilhão. Principalmente o mexilhão na Páscoa.
(Foto de Júlio José Silva)
Crónica do Mestre, dia 18/04/2014, no caderno life&style do jornal Público, disponibilizado aqui.
Hoje é um bom dia para vir à Praia das Maçãs comer mexilhão. Nas rochas vêem-se pessoas a apanhar mexilhão e, caso apanhem mais de três quilos ou apanhem mexilhão pequeno de mais, a serem multadas.
As multas rendem mais do que o mexilhão. Também é preciso coragem para comer o mexilhão das nossas costas. O mexilhão, ao contrário do percebe, não tem jeito nenhum para expulsar os venenos e é por isso que as intoxicações são tão vulgares.
Os melhores restaurantes de Colares — entre os quais o Neptuno, na Praia das Maçãs (cozinheiro Paulo) e a Adega das Azenhas (cozinheira Lurdes) — juntaram-se para fazer um Festival do Mexilhão no Mercado da Praia das Maçãs. Mas o mexilhão não será selvagem, para não haver problemas. Será cuidadosamente escolhido e cozinhado. O festival começou ontem mas continua hoje, das quatro da tarde até à meia-noite.
A entrada é livre e cada pratinho de mexilhão só custará 5 euros. Haverá mexilhão ao natural, mexilhão à Bulhão Pato e mexilhão à espanhola. Todas as bebidas — cerveja, vinho, refrigerante ou água — custarão 1 euro cada uma.
O mexilhão foi comprado ontem, pelo que não poderia estar mais vivo ou mais fresco. É a vantagem de um festival que dura apenas dois dias: não há tempo para nada envelhecer. Outro trunfo é o facto de o festival se realizar nas instalações (recém-renovadas) do Mercado da Praia das Maçãs. As vendedoras de frutas e de hortaliças são excelentes. Digo isto porque muitas vezes a preparação de moluscos à Bulhão Pato é prejudicada por alho de baixa qualidade e coentros menos do que fresquíssimos.
Também haverá bifanas e outros petiscos para quem não quiser dedicar-se integralmente ao mexilhão.
Num louvável espírito de cooperação — não estivesse a freguesia de Colares entre as mais simpáticas de Portugal — não haverá uma dúzia de barraquinhas, cada uma ocupada por um restaurante diferente. Haverá uma única cozinha central, sob a supervisão dos entendidos dos restaurantes.
É preciso avisar que aqui em Colares come-se mexilhão todos os dias ao longo de todo o ano. Todos os restaurantes sabem cozinhá-lo com respeito e sabedoria. O mexilhão vem do Norte de Portugal. Não encontrará aqui mexilhão da Nova Zelândia.
Um dos prazeres é falar do mexilhão com os habitantes e os cozinheiros. Toda a gente tem histórias engraçadas sobre a apanha do mexilhão. Discute-se o calibre do mexilhão: o maior e mais caro vai para Espanha, onde estão dispostos a pagar mais por ele.
O mexilhão sabe melhor quando se está a olhar para ele: é o caso da Praia das Maçãs, com as rochas cobertas de mexilhão (e de percebes que são muito bons e mais baratos do que em Cascais ou Lisboa).
O festival é organizado pela excelente Junta de Freguesia de Colares e pelo Clube Recreativo da Praia das Maçãs. São garantias de qualidade e de autenticidade. Sabem o que fazem e trabalham e moram cá todo o ano.
Depois, se ficar inspirado, pode entreter-se a experimentar o mexilhão de todos os restaurantes que participaram (e de outros que ficaram de fora, como o Búzio) no festival. Cada um tem um jeitinho especial e cada um é delicioso à maneira dele.
Na Bélgica, há muitas maneiras de cozinhar mexilhões e o acompanhamento tradicional são as batatas fritas. Em Portugal, o acompanhamento do mexilhão é o bom pão, para ensopar o molho. Assim será na Praia das Maçãs.
Terá é de ir hoje, sábado: o segundo e último dia. O próximo Festival do Mexilhão da Praia das Maçãs só será daqui a um ano. Uma ideia romântica será apanhar o bonito eléctrico que vai de Sintra à Praia das Maçãs e vice-versa. O mercado fica ali a uns passos. O passeio é barato e encantador, mas não é para quem tem pressa.
Se chover, não faz mal. O mercado foi todo renovado, com um telhado novinho em folha, que não deixará passar uma única gota.
Se estiver sol, pode integrar a mexilhoada com uma ida à praia, sempre a pé.
Aleluia
Notas finais: Não consigo deixar de dizer "percebos". Aprendi assim e não consigo corrigir para percebe, perceve, ou perceba que são os nomes corretos. Para mim são "percebos".
Ontem fui a São Pedro de Sintra e era impressionante a quantidade de espanhóis que por lá circulava. Parecia que estava numa vila espanhola com noventa por cento dos carros com matrícula espanhola. Se conseguíssemos fazer do mexilhão o ex-líbris da Páscoa em Sintra, estes turistas são uma mina por explorar.