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12.02.2007, Bárbara Wong

É um homem carinhoso para com os seus fiéis, mas pouco compreensivo para com os que votam "sim".

À porta da igreja de São Pedro, dentro das muralhas de Óbidos, entre os avisos da catequese e da Cáritas, há uma página com um poema: "A criança que queria nascer". Diz: "Era tão pequeno, que ninguém o via" (...) "foi sacrificado, enquanto dormia/ esterilizado, com toda a mestria" (...) "Negaram-lhe tudo, o destino inteiro/ porque os abortistas nasceram primeiro". Não está assinado.
Lá dentro, num outro placard, o mesmo poema. Na missa do meio-dia, o padre Paulo Geraldo, de 43 anos, não fala sobre "abortistas" nem sobre o aborto. É dia de ir às urnas e o sacerdote não quer fazer campanha. A única vez que se refere ao assunto é por entre os habituais avisos semanais: vai haver um retiro quaresmal, uma peregrinação a Fátima, um curso bíblico, estão abertas as inscrições para a preparação para o crisma e já agora "hoje é dia de voto... Construam um mundo melhor, mais justo e mais humano", apela.
Três horas antes, na Igreja de Nossa Senhora do Rosário, na Usseira, uma povoação agrícola a poucos quilómetros de Óbidos a deixa praticamente a mesma mensagem. Nem mais uma palavra sobre o tema. É já no carro e durante a curta viagem de Usseira para o Vau, perto da Lagoa de Óbidos, que fala sobre o aborto: "A posição da Igreja é clara. O porta-voz, que é o Papa, está farto de falar sobre o tema. Antes de se pôr esta questão já o Concílio Vaticano II, há 40 anos, chamou ao aborto um crime horrendo".
"Não é para levar a sério"
O padre Geraldo é um homem amoroso e atencioso para com os seus paroquianos. "Vim para fazer desta gente a minha família. Foi por isso que não me casei", justifica. Está em Óbidos há quatro meses, antes estivera dez anos em Colares, perto de Sintra, para onde seguirá depois do almoço, para votar.
É com um sorriso que acolhe as malandrices que os pequenos acólitos fazem em cima do altar. O mesmo sorriso com que afaga o rosto da velhinha que se arrasta até à sacristia para, com saudades da voz do marido que partiu, pedir ao sacerdote que reze por ele.
Durante a missa, por entre os ritos, o padre Geraldo desce do altar para dar o abraço da paz aos fiéis que se sentam nos primeiros bancos da paróquia de Nossa Senhora da Piedade do Vau. Repete o mesmo gesto hora e meia depois, na igreja de São Pedro de Óbidos, onde aproveita para desejar os parabéns a uma paroquiana. No final da missa, vem até à porta da rua, para se despedir de todos e desejar uma boa semana.
Este é o mesmo homem que se revela pouco compreensivo para com os católicos que declararam publicamente que votariam "sim". "Neste ponto a doutrina da Igreja não admite outra perspectiva [que não seja contra o aborto]". E os padres que são a favor da mudança da lei? "Dizem-no em nome pessoal, de uma maneira um bocado tonta e que não é para levar a sério."
A comunidade de Óbidos tem sete paróquias, umas mais rurais, de produtores e comerciantes de fruta; outras mais urbanas. Durante o tempo da campanha, só houve um domingo em que aproveitou a homília para falar contra o aborto, diz. "Parece que querem encontrar outras formas de desengravidar. A única possibilidade é a maternidade", resume. Nesse tempo, as paróquias tiveram liberdade para decidir se queriam ser esclarecidas sobre o tema, só três o pediram.
"A Igreja diz que a consciência é um santuário íntimo, ao qual se deve obedecer, mesmo que não se conduza pelos ditames da Igreja. Mas o nosso dever é educar as consciências". É o que o padre Geraldo vai fazer, agora que o "sim" ganhou.


Jornal "Público" hoje, pág.10.  artigo de Bárbara Wong, que a propósito não escreve correctamente homilia.


Um homem que deixa com certeza saudades por onde passa e que tive o prazer de me ter abençoado uma fita de finalista.

 

publicado às 22:24


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